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Atendimento ao autista está consolidado em Pelotas
Espaço que homenageia o médico Danilo Rolim de Moura tem 242 usuários e 120 na fila de espera
Carlos Queiroz -
Victor tinha dois anos e meio quando a mãe, a agricultora Paula Adriana Munhoz, 31, suspeitou que havia algum problema com o menino.
Cinco meses depois viria o diagnóstico médico a comprovar sua desconfiança: o filho, hoje com quatro anos, é autista. A difícil tarefa de compreendê-lo, assim como suas reações, é um exercício diário. É no Centro de Atendimento ao Autista Doutor Danilo Rolim de Moura que tem aprendido a melhor lidar com ele, que, da mesma forma, passou a brincar, a prestar atenção e tentar falar. O espaço, criado há um ano, é o único em todo o Estado sem faixa etária definida para atender. Trabalha diretamente com pesquisa e formação de professores e está com a capacidade esgotada: 242 usuários e uma lista de espera com mais de 120.
Moradora no distrito de Santa Silvana, Paula traz Victor à cidade uma vez por semana. Comprar um carro se fez necessário, porque andar de ônibus com ele era enfrentar uma crise sempre. “Vinha chorando, esperneando no colo desde lá”, conta. Uma das situações mais difíceis de enfrentar são as saídas com Victor. “A gente quer mostrar alguns lugares a ele, mas fica agitado. Às vezes nem quer sair do carro, se joga no chão”, completa. No Centro são atendidos atualmente crianças de um ano e meio a adultos com 32.
O trabalho é realizado em parceria com a Universidade Federal de Pelotas (UFPel), onde foi criada a cartilha de orientação para professores no contexto inclusivo. O centro é municipal, vinculado à Secretaria Municipal de Educação e Desporto (Smed), com apoio da Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Disponibiliza psicopedagogos, atendimento educacional especializado, estimuladores de Educação Infantil, professores de Educação Física, arteterapia, ludoterapia, psicomotricidade, tecnologia assistiva, estimulação essencial, fonoaudiólogos e psicologia para os pais. Os usuários também lancham no local.
De acordo com a diretora Débora Jackes, têm famílias de mudança marcada e outras que já vieram morar em Pelotas porque não encontraram, nem mesmo em Porto Alegre, atendimento como o existente em Pelotas. Pela grande procura, que já gerou lista de espera, agora o centro, localizado na rua Gonçalves Chaves, em frente ao ginásio do Instituto de Educação Assis Brasil, precisa de um espaço maior. A coordenadora acredita que existam em Pelotas em torno de 500 autistas.
Todos os profissionais são concursados, à exceção dos fonoaudiólogos recentemente contratados. “O papel do Centro é orientar as escolas e ajudar com que o usuário dê certo lá fora também”, observa a diretora. O espaço nasceu da luta das famílias de autistas e do entusiasmo do médico Danilo Rolim de Moura, já falecido, que empresta o nome ao Centro, e do doutor em Genética e Biologia Molecular, Gilberto Garcias, ex-secretário de Educação e Desporto de Pelotas. “A gente pensa junto com as famílias”, acrescenta Débora.
Terapia e experiências
Geralmente os pais esperam os filhos lá mesmo, enquanto recebem atendimento. Pelo menos a grande maioria faz isso. O momento se torna uma terapia e troca de experiências. A jornalista Suelen Junges está entre as mães que ficam. Alonzo, o filho, tem dez anos, teve grandes progressos desde que está aos cuidados dos profissionais do Centro de Atendimento ao Autista. Mas a caminhada foi longa até então, desde a descoberta das situações de dificuldade em socializar que enfrentava, isso com um ano e oito meses.
A tendência ao isolamento sempre foi uma constante na vida do menino, que começou a ler com um ano e nove meses. Como os demais com Transtorno de Asperger, tem inteligência extrema, mas dificuldade em demonstrar emoções. “A parte cognitiva de aprendizado é preservada. Consegue progredir na escola. Já está no quinto ano do Ensino Fundamental”, relata Suelen.
O avanço resulta de todo um cuidado de família, do trabalho do Centro, que contribuiu enormemente a evolução do menino, diz a mãe, que o leva duas vezes por semana ao local. “É um trabalho de formiguinha. Todo o dia são situações novas, retomada de orientações”, comenta, ao recordar os dez anos de vida de Alonzo.
Para se dedicar totalmente ao filho abandonou a vida profissional, que não tinha como conciliar com os cuidados que precisa ter com ele. “Hoje faço outra faculdade (a distância), mas não consigo me dedicar a minha profissão, porque ele não fica com qualquer pessoa, embora esteja mais flexível, crescendo, se desenvolvendo”, destaca.
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Forma diferente de ser
Idealizador do Centro de Atendimento ao Autista Doutor Danilo Rolim de Moura, o doutor em Genética e Biologia Molecular, Gilberto Garcias, abriu o seminário da 3ª Semana Municipal de Conscientização sobre o Autismo - É apenas uma forma diferente de ser, iniciado quarta-feira. Falou sobre Transtorno de Asperger, que concentra autistas geralmente com inteligência acima da média, o que mais sofre bullying em sua opinião, porque é o que convive mais em ambiente escolar regular ou em universidade. “Fica mais exposto”, frisa.
Para Garcias, o autismo ainda é muito pouco conhecido, por isso é necessário estudar, pesquisar. “Ainda se engatinha muito”, diz. O grupo mais complexo é o dos portadores de Transtorno de Asperger. “Tem gente amarrada em casa e cursando faculdade, vai de um extremo ao outro e ainda se conhece pouco sobre autismo”, acrescenta ele, que é um estudioso do assunto. Médico geneticista aposentado, Garcias é fascinado pelo tema, por isso continua estudando.
O autista faz parte de um mundo que não conhece as regras e não consegue interpretar. No isolamento encontra a paz e a tranquilidade que não tem porque não sabe o que espera de si e dos outros. Praticamente tudo é sempre novo para eles, explica.
A programação do seminário se estende até hoje, no auditório do Colégio Municipal Pelotense, a partir das 13h30min, sendo que às 10h, no calçadão da rua Andrade Neves, será realizada a Caminhada Azul, por iniciativa da equipe de profissionais do Centro e Associação dos Amigos, Mães e Pais de Autistas e Relacionados com Enfoque Holístico (Amparho). O evento encerra as atividades.
Para 2017 a ideia é organizar o Congresso Luso de Autismo no Brasil, tendo em vista a parceria do Centro de Atendimento ao Autista com a UFPel e a Universidade do Minho, de Portugal. “Quem trabalha com educação inclusiva tem que ser formador e queremos possibilitar esse espaço como pesquisa e formação de novos profissionais”, destaca Débora.
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